quarta-feira, 30 de abril de 2014

curare




mas que dor do lado é essa
que até me deixa com pressa
de desaparecer?

que dor é essa
que nem pisca no eletro
e que nem analisando
meus pedaços de perto
os doutores conseguem ver?

é ruim até de escrever
pois o braço dói pra caramba
à cabeça na corda bamba...

tonto
& farto de codeína
& ibuprofenos
arrisquei respirar no sereno

lá fora estava bem frio
mas o corpo, fervendo, dizia:
- meu, tu tá morrendo...

então, um ventaço, num assovio
à lua de vigia
e só,
revirou as samambaias penduradas
e um gato branco, que apareceu do nada
que dó
quase morreu de susto
engoliu o miado, depois de um pulo
caiu de mal jeito
e saiu correndo de lado

ah, essa dor do lado
esse negócio
chamado peito...

(!)
se revela
o inimigo

então tiro do bolso uma navalha
(a usei para apontar os lápis)
ele gargalha
enquanto vejo de novo o gato (maluco,
com mis em miados à capela)

"tudo bem, aceito o veneno", digo,
e platão se cala

mas quase tropeço
no verso
e no bichano na minha perna

recupero a fala e solto
"beberei como se fosse suco
d'alguma uva nobre!", na verdade, berrei,
e, enfim, os vizinhos e suas luzes
foram acendendo

(seria pobre rimar com pobre, não irei,
ainda bem não precisar)

finalmente agora que sei
do que já sabia
do impossível, é claro
e que estou de novo morrendo

bem, depois que encontrar o dono do felino
(seria platão?)

eu voltarei para a caverna
voltarei para o meu eu invisível
e vou buscar nos meus sonhos de menino
algum raro sorriso pra me apegar

não, não dá!
apenas o dela
é o que há
é o que há
é o que há

mas que raio de dor é essa?
pois já acho mesmo que vou morrer
e ela não vai
passar